segunda-feira, 13/09/2021
Centro de Biologia Molecular e Ambiental da Escola de Ciências da UMinho
Esta
terça-feira, 14 de setembro, celebra-se o Dia da Ecologia. Em entrevista,
Cláudia Pascoal, professora na Escola de Ciências da Universidade do Minho (ECUM),
reflete sobre as consequências do aquecimento global nos últimos anos, a relação
do ser humano com o ambiente e as perspetivas de futuro para um planeta mais
sustentável. Para a docente e investigadora, “precisamos de envolver mais a
sociedade na construção do conhecimento e no desenvolvimento das sociedades
futuras”.
Cláudia
Pascoal nasceu em Évora e licenciou-se em Biologia na Universidade de Coimbra. Posteriormente,
concluiu o mestrado em Ciências do Ambiente e doutorou-se em Ecologia Aquática
pela Universidade do Minho, em 2004. É Professora Associada do Departamento de
Biologia da Universidade do Minho e diretora do Instituto de Ciência e
Inovação para Bio-Sustentabilidade. É ainda
vice-diretora do Centro de Biologia Molecular e Ambiental (CBMA) e foi diretora do curso da licenciatura em Biologia Aplicada e do
mestrado em Ecologia.
A sua
investigação tem-se focado na avaliação, previsão e mitigação dos impactos das
alterações globais na biodiversidade e no funcionamento dos ecossistemas
aquáticos. Nos últimos 15 anos coordenou ou participou em 13 projetos de
investigação nacionais e 8 internacionais, para além de ter estabelecido
diversas parcerias com empresas privadas e órgãos ambientais.
Para
marcar o Dia da Ecologia, a ECUM, através do Departamento de Biologia e do
CBMA, apresenta seis atividades práticas abertas ao público na cidade de Braga.
Todas as informações podem ser consultadas aqui.
O
novo relatório da ONU, lançado
em agosto de 2021, alerta que o limite de 1,5°C de aumento na temperatura média
global, em relação ao período pré-industrial, será atingido em 2030 — uma
década mais cedo do que anteriormente previsto. Que consequências é que isto
provoca no planeta?
Se
pensarmos à escala da história do planeta, ou da história da vida na Terra,
sabemos que sempre houve alterações no clima e que o clima não é imutável. A
novidade é o grau de influência que o homem está a ter sobre o clima. Ou seja,
o clima atual já só consegue ser explicado se colocarmos na equação as emissões
de CO2 resultantes da atividade humana. Daí a relevância de se ter
celebrado o acordo de Paris, em 2015, para tentar conter a influência negativa
que a humanidade está a ter sobre o clima. Para isso, temos de colocar o foco
na descarbonização. Ao nível da UE têm sido assumidos compromissos claros pela Comissão
e pelos Estados-membros. Mas as questões climáticas são globais e todos temos de
contribuir.
O último
relatório do IPCC (Painel Inter-Governamental para as Alterações Climáticas),
publicado em agosto, diz-nos que a mudança está a ocorrer muito rapidamente e que
poderemos estar a atingir um ponto de não retorno. O aumento gradual da
temperatura tem um efeito direto na agricultura, no bem-estar e na saúde humana.
Mas há outros efeitos, tanto ou mais preocupantes, como o degelo e a
consequente subida das águas do mar. Por outro lado, é cada ver mais frequente
a ocorrência de eventos climáticos extremos, como as ondas de calor ou os
eventos de precipitação intensa. Veja-se a temperatura extrema e os incêndios
ocorridos na Turquia e na Grécia durante o mês de agosto e as inundações
ocorridas na Europa Central e do Norte no passado mês de julho.
E que
consequências podemos esperar especificamente para Portugal?
Em
Portugal é expectável que o clima se torne mais seco e mais quente e que venham
a ocorrer mais ondas de calor. Isto tem consequências tremendas para produção
de alimento e para a vida das pessoas. Poderemos também vir a ser atingidos por
mais eventos extremos e por furacões do tipo tropical, como os que aconteceram em
2018 no centro de Portugal e que atingiram particularmente a Figueira da Foz e
Coimbra. E poderão vir a acentuar-se algumas assimetrias climáticas no país.
Neste
momento, quais são as ações que mais degradam o planeta? Seria fácil reverter
esse paradigma?
Salientaria
as alterações no uso do solo e do mar e que têm contribuído para a perda e degradação
de habitats, e também a sobre-exploração das espécies, o que, em conjunto, tem
conduzido à perda da biodiversidade. É graças à diversidade biológica que os
ecossistemas se mantêm funcionais e providenciam um conjunto de bens e serviços
essenciais para a sobrevivência humana, como a purificação do ar assegurada
pelas plantas e pelas algas, a polinização assegurada pelos insetos,
nomeadamente pelas abelhas, ou a depuração natural da água asseguradas pelas
algas e pelos microrganismos.
Depois temos
um problema criado pela introdução de espécies invasoras, com características
dominantes, e que, por vezes, levam à eliminação de espécies nativas e à alteração
do funcionamento dos ecossistemas.
Temos a
ameaça das alterações climáticas e volto a referir que precisamos de reverter
com a máxima urgência as emissões de CO2. Temos ainda um enorme
problema de escassez de água e, por incrível que pareça, um problema de
desperdício de água.
E,
finalmente, temos vários problemas de
poluição devido à presença de poluentes clássicos, como é o caso dos pesticidas
usados na produção agrícola, e uma preocupação crescente com os contaminantes
emergentes, como é o caso dos plásticos e dos fármacos que vão parar aos rios e
que podem interagir entre si e com os restantes contaminantes lá existentes,
provocando cocktails de misturas tóxicas que entram nas cadeias alimentares e
podem chegar à nossa mesa.
Basicamente
o diagnóstico está feito, precisamos agora de alternativas para diminuir a nossa
pegada ecológica e que permitam conciliar a sustentabilidade dos ecossistemas com
o bem-estar humano. Não é possível manter os níveis de exploração de recursos e
de consumo como temos atualmente nos países mais desenvolvidos. E a população
mundial continua a aumentar. Como vamos alimentar tanta gente? Já não há assim
tantos espaços disponíveis para a agricultura. Passaremos a ter agricultura
vertical nas cidades? É imperativo tornar a agricultura mais sustentável. Também
o conceito de mobilidade tem de ser alterado. Em termos gerais, temos de pensar
global e agir ao nível local. O poder político tem mecanismos para modelar os
comportamentos da sociedade.
Quando
pensamos nos problemas ambientais, há muitos flagelos que nos vêm à cabeça:
aquecimento global, extinção de espécies, escassez de água... Tudo isto está
interligado, mas é fácil para um ecólogo tomar um deles como prioridade?
Tem razão,
muitas destas questões estão interligadas. Mas eu tenho uma preocupação muito
particular com a água, com a disponibilidade e a qualidade de água para todos. Isto
inclui preocupações com a biodiversidade e o clima em geral, porque o ciclo da
água passa pela atmosfera, pelo solo, pelos rios, lagos e oceanos, e por todos
os seres vivos. Todos dependemos da água. E a água anda sempre por aí, mas está
distribuída de uma forma desigual nas diferentes regiões do planeta, e nem
sempre está disponível. Todos temos registado na memória os períodos
prolongados de seca, como os ocorridos em Portugal em 2017.
Mesmo
quando a água está disponível, nem sempre tem a qualidade necessária. E, por
vezes, temos picos de precipitação num curto espaço de tempo, levando, muitas
vezes, a cheias e a inundações com destruição de ecossistemas naturais e
agrícolas, com destruição de casas e mortes humanas, com prejuízos
assinaláveis. Veja-se o caso das cheias na Alemanha, na Holanda e na Bélgica em
Julho passado. Por algum motivo, em 2018 foi declarada pelas Nações Unidas a
década Internacional para a ação da Água para o Desenvolvimento Sustentável
(2018-2028). Várias ações têm-se multiplicado por todo o mundo, mas todos os
esforços são poucos. Há um claro desfasamento entre o valor da água e o preço
da água, pelo que é necessário aumentar a eficiência na gestão e no uso da
água, nomeadamente pela agricultura já que esta é responsável por cerca de 70%
do uso da água. Cada vez é mais necessário recorrer a uma agricultura inteligente
para promover a sustentabilidade da água e da agricultura. Este foi o objetivo
de um projeto ao nível Europeu (CLIMALERT) que coordenei
aqui no IB-S em parceira com o IPMA e outras instituições de investigação na
Catalunha e na Alemanha.
De há uns
anos para cá que se tem dado mais atenção à ecologia e ao meio ambiente. O que
é que levou as pessoas a olharem com preocupação para o ambiente?
Se
olharmos para os últimos relatórios do Fórum Económico Mundial, apercebemo-nos de
que os maiores riscos à escala mundial com impacto para a humanidade estão
relacionados com as questões ambientais, nomeadamente a degradação dos
ecossistemas, a falta de recursos naturais, a perda da biodiversidade e os
eventos climáticos extemos. O cidadão comum tem cada mais vez a perceção destes
riscos, talvez porque as pessoas já estão a sentir grande parte dos problemas
ambientais. E as soluções possíveis são complexas. A parte positiva é que a
esmagadora maioria das pessoas quer ter acesso a mais e melhor informação. E uma
sociedade esclarecida será certamente mais capaz de tomar as melhores decisões.
Qual é o
papel dos ecólogos e que responsabilidade têm na luta pela preservação do
planeta?
Os
ecólogos são investigadores que produzem conhecimento na área da ecologia. Estudam
a biodiversidade e os ecossistemas. Investigam as relações entre os seres vivos
(algumas de competição, predação ou parasitismo, muitas de complementaridade e
de facilitação; há muita semelhança entre a ecologia e as ciências sociais).
Estudamos, ainda, como essas relações são afetadas pela disponibilidade de
recursos e pelo meio ambiente que nos rodeia. A partir desses estudos
conseguimos compreender como as comunidades biológicas e os ecossistemas
funcionam, e a razão pela qual precisamos de manter tanta diversidade
biológica. Conseguimos ainda compreender que a biodiversidade e os ecossistemas
estão ameaçados por muitos fatores (como os referidos acima) e conseguimos
fazer previsões, ou seja, conseguimos desenvolver modelos preditivos que nos indicam
o que irá acontecer se perdermos ou ganharmos biodiversidade, ou quais os
efeitos diretos e indiretos das alterações globais (incluindo as climáticas).
Isto permite-nos propor medidas de adaptação à mudança ou de mitigação dos
impactos, o que implica ter abertura para dialogar com os decisores políticos e
com a sociedade em geral.
Segundo
um estudo da Universidade Portucalense levado a cabo em 2020, apenas 13% dos
jovens adultos praticam cidadania ambiental (reciclagem, voluntariado
ambiental...). O que é que este número diz sobre nós?
Portugal
tem um déficit no envolvimento das pessoas em ações de cidadania e de
voluntariado em diferentes áreas, incluindo na defesa das causas ambientais. Isto
pode estar relacionado com a falta de informação clara e fidedigna ou a falta de
chamada a ações concretas. Ainda pululam falsas crenças, falsa informação e
contra-informação. As pessoas têm o direito de estar bem informadas, devem
saber que a sua opinião conta e devem sentir que fazem parte da resolução dos
problemas. Tenho a perceção de que, muitas vezes, as pessoas querem ajudar e
não sabem como. Precisamos de envolver mais a sociedade na construção do
conhecimento e no desenvolvimento das sociedades futuras. Há cada vez mais consciência
da estreita ligação entre ecologia e sociedade. Há uma tendência para o crescimento
da chamada ciência cidadã, que promove a participação ativa da sociedade na
proteção dos seus recursos naturais e do seu património biológico. Para além do
papel das universidades, como centros de produção e transferência de
conhecimento, saliento também o seu papel de apoio aos municípios e ao setor
privado para o desenvolvimento de ações concretas com impacto na sociedade.
Igualmente crucial, é o papel da comunicação social na construção de cidadãos
mais esclarecidos e informados, mais criativos e motivados para a conservação da
biodiversidade e dos ecossistemas e conscientes de todo o bem-estar que a
natureza efetivamente providencia à humanidade.