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“Continuamos sem ter consciência da importância da geodiversidade” Voltar

domingo, 06/10/2024   
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A 6 de outubro assinala-se o Dia Internacional da Geodiversidade.
Assinala-se a 6 de outubro o Dia Internacional da Geodiversidade com o objetivo de consciencializar a sociedade para a diversidade de elementos geológicos, como minerais, rochas, fósseis e formas de relevo. O dia pretende também alertar para a importância da geodiversidade, muitas vezes esquecida pela sociedade.

A data é comemorada desde 2022 e deve-se à comunidade internacional de geocientistas que apresentou uma proposta à UNESCO. José Brilha, do Departamento de Ciências da Terra, da Escola de Ciências da UMinho (ECUM), foi um dos coordenadores desta proposta. Um processo que explicou em entrevista ao nosso Gabinete de Comunicação e Interação com a Sociedade.


Foi em 2022 que se assinalou pela primeira vez o Dia Internacional da Geodiversidade. O professor esteve na criação da ideia. Como se desenvolveu o processo?
Em 2020, realizou-se um Congresso Internacional online sobre património geológico. E foi no rescaldo do evento, na reunião final, que surgiu a ideia de propor a criação de um Dia Internacional da Geodiversidade, pois não havia nada dedicado a esta temática. Este é um tema que a maior parte da sociedade desconhece, daí a importância de existir uma data comemorativa internacional.

Criámos um grupo de trabalho (dois ingleses, um polaco e um português) e elaborámos um texto introdutório a explicar o que é a geodiversidade, a sua importância para a humanidade, para os ecossistemas e para o planeta. Contactámos organizações internacionais e nacionais ligadas às geociências e conseguimos mais de uma centena de cartas de apoio que enviámos para a União Internacional das Ciências Geológicas (IUGS), que, por sua vez, encaminhou para a UNESCO. Em seguida, interpelamos os embaixadores dos três países (Portugal, Polónia e Inglaterra) para reunir apoio político, pois só eles podem propor temas à discussão dentro da UNESCO. Tivemos apoio total e, então, elaborámos o documento final que circulou pelos embaixadores. Os países foram aderindo e apoiando a iniciativa e a proposta acabou por ser aprovada em novembro de 2021, durante a 41ª Conferência Geral da UNESCO. A primeira edição só se realizou no ano seguinte, porque já tinha passado o 6 de outubro, data escolhida para a efeméride.

Referiu que há um desconhecimento sobre a geodiversidade. O que podemos dizer sobre esta temática?
A geodiversidade integra os elementos naturais não vivos que temos no planeta, mas que são extremamente importantes para toda a biodiversidade.

As pessoas não se apercebem de que o usamos no dia a dia só existe devido à exploração de minerais, rochas e recursos energéticos. Não seria possível comprar uma peça de roupa, sentarmo-nos nestas cadeiras ou comprar um telemóvel sem esta exploração de recursos geológicos. Estamos completamente dependentes do uso de minerais e rochas.

Mas os políticos demonstram sensibilidade para a importância da geodiversidade?
Eu penso que não. Nem na área política, nem na sociedade em geral. As pessoas não entendem a necessidade de explorarmos os recursos geológicos de forma responsável e que também há geodiversidade com características únicas que não devem ser destruída ou consumida, mas sim protegida. Já interiorizaram que é preciso proteger a fauna, a flora, e cuidar das espécies que estão em vias de extinção. No entanto, também há elementos da geodiversidade, como rochas, minerais e fósseis, que têm um valor extraordinário do ponto de vista científico, educativo, estético e cultural, e que devem ser preservados. Não devemos construir estradas ou pedreiras sobre este património, porque são recursos naturais não renováveis. Por exemplo, se destruirmos um fóssil de um dinossauro, este já está extinto e não voltaremos a ter acesso a mais. Há elementos da geodiversidade que são finitos e que têm de ser preservados, devido ao seu valor.

Depois, há outros que têm de ser aproveitados, mas de forma responsável. Não se admite que haja explorações de recursos mineiros que continuam a desvalorizar os impactos ambientais e sociais, ou que sejam feitas sem recursos às tecnologias e ao conhecimento existente. Há um passo muito importante a dar. A sociedade tem de compreender que não consegue sobreviver sem recursos geológicos e tem que exigir que estes sejam explorados de forma responsável, de acordo com a legislação e o nosso conhecimento, e não como se fazia há um século.

Apesar das campanhas de sensibilização, há cada vez mais visitantes nos Parques Nacionais e, por vezes, causam estragos. Acha que se tem notado mais cuidado com estes espaços por parte de quem os frequenta?
Sim, mas nas áreas protegidas continua-se a estar focado apenas na biodiversidade. Basta ver o nível de informação que é dada aos visitantes, como folhetos ou painéis, onde aparecem apenas a fauna, a flora ou até aspetos culturais. Dificilmente há informação sobre a geodiversidade, que tipo de rochas existem, porque estão naquele lugar e não noutro.

De uma forma geral, há uma sensibilidade maior para a preservação ambiental, mas a informação disponibilizada ao cidadão ainda é muito parcial.

Este teria de ser um trabalho desenvolvido nas escolas, por exemplo?
Sim. Temos uma situação privilegiada a nível internacional porque lecionamos conteúdos de geologia nos ensinos básico e secundário. Na maior parte dos países isso não acontece. No entanto, acho que os conteúdos estão completamente desajustados. Sou da opinião de que seria necessária uma restruturação completa do modo como a geologia é ensinada nas escolas. De uma forma geral, os conteúdos que são ensinados são pensados na preparação desses alunos para a universidade, para o curso de geologia. Para mim, isso é um erro, porque são muito poucos os alunos do secundário que seguem para esses cursos.

Estamos focados em ensinar conteúdos para uma percentagem reduzidíssima de alunos, quando devíamos estar a lecionar conteúdos para o cidadão comum, para quem vai ser eletricista, picheleiro, médico ou advogado. Todos os cidadãos deveriam ter um conhecimento básico sobre como funciona o nosso planeta, o que é a geodiversidade e qual a sua importância. Estamos fora de foco. Ensinamos tudo em caixas fechadas. Aprendem Biologia, História e Geologia em separado, mas, na verdade, tudo está interligado. Os alunos deviam ser sensibilizados para perceber estas interligações e a existência destas temáticas. Isso até tornaria o estudo muito mais aliciante. Leccionamos estas disciplinas, mas depois acabamos por não temos cidadãos com mais conhecimentos sobre estas temáticas.

Estão previstas medidas políticas que possam conduzir a uma mudança?
Vi uma entrevista onde o Secretário de Estado da Educação dizia que queria mudar os conteúdos das disciplinas. A Associação Portuguesa de Geólogos já manifestou várias vezes disponibilidade junto do ministério para colaborar nesse processo de restruturação.

Mais informação sobre o Dia Internacional da Geodiversidade em https://www.geodiversityday.org/

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