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Aumentam infecções fúngicas, mas continuam a faltar novos medicamentos para as atacar Voltar

terça-feira, 01/04/2025    Centro de Biologia Molecular e Ambiental da Escola de Ciências da UMinho
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Paula Sampaio, investigadora no Centro de Biologia Molecular e Ambiental da Escola de Ciências da UMinho alerta para a falta de diagnóstico de infeções fúngicas sistémicas. Um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) destaca a escassez de métodos de diagnósticos in vitro e fármacos antifúngicos, agravada pela falta de infraestrutura e recursos, especialmente em países com menor investimento na saúde. Em entrevista ao Jornal Público, a investigadora apresenta ideias para enfrentar o problema, já que a resistência antifúngica e a globalização ameaçam a saúde pública.
Público | 1 de Abril de 2025

Aumentam infecções fúngicas, mas continuam a faltar novos medicamentos para as atacar

A Organização Mundial da Saúde identifica a escassez de novos fármacos e a falta de testes de diagnóstico como problemas no combate às infecções fúngicas. Os países mais pobres são os que mais sofrem.

Quando pensamos em infecções, lembramo-nos de vírus e bactérias – os suspeitos do costume. Muitas vezes, escapam os fungos a esta conversa. Para lá do pé de atleta ou das candidíases, há infecções fúngicas mais graves e responsáveis directamente por 2,5 milhões de mortes todos os anos. Há, contudo, um problema. Tal como as infecções fúngicas podem passar incólumes nas conversas sobre infecções, também têm passado ao lado na investigação e no desenvolvimento tecnológico. Em suma, escasseiam novos medicamentos e testes de diagnóstico, sobretudo nos países mais pobres.

Por exemplo, nos últimos dez anos, apenas foram desenvolvidos quatro medicamentos antifúngicos aprovados na China, nos Estados Unidos ou na União Europeia. Mais: apenas um desses fármacos é indicado para um dos quatro fungos que a Organização Mundial da Saúde (OMS) identifica como críticos para a saúde pública. Os testes de diagnóstico de infecções fúngicas existem, mas dependem de laboratórios tecnologicamente bem equipados e profissionais com formação especializada – o que prejudica o seu acesso por parte de países com menos recursos.

Este é o retrato negativo das infecções fúngicas no mundo, traçado em dois relatórios publicados nesta terça-feira pela OMS. Pede-se mais investigação e investimento para tapar as lacunas identificadas nestes dois aspectos: novos medicamentos e novos testes.

“As infecções fúngicas invasivas ameaçam as vidas dos mais vulneráveis, mas faltam medicamentos aos países para salvarem vidas”, diz Yukiko Nakatani, director-geral adjunto para a Resistência Antimicrobiana da OMS, em comunicado. Além das dificuldades no desenvolvimento de novos antifúngicos e métodos de diagnóstico, é notória a escassez de testes em países mais pobres, mesmo em hospitais centrais. “Esta lacuna no diagnóstico significa que a causa do sofrimento dos doentes continua por conhecer, tornando difícil a aplicação dos tratamentos correctos”, acrescenta Yukiko Nakatani.

Este tipo de infecções afecta sobretudo pessoas com os sistemas imunitários enfraquecidos, como doentes a fazer quimioterapia, pessoas que vivem com VIH ou quem teve um transplante de órgão. Por exemplo, nos primeiros anos da pandemia, o número de casos de infecções fúngicas aumentou significativamente entre os doentes hospitalizados com covid-19.


Em 2022, a OMS lançou uma lista com os 19 fungos prioritários para a investigação científica e a medicina, e identifica quatro deles como “críticos”: Cryptococcus neoformans, Aspergillus fumigatus, Candida albicans e Candida auris.

Este último, o Candida auris é talvez o maior responsável pela atenção acrescida que as infecções fúngicas receberam nos últimos anos – embora continuem a ser parente pobre entre as infecções. Este fungo é resistente a vários antifúngicos e tem sido cada vez mais detectado em contexto hospitalar (e não só), apesar de ter sido identificado pela primeira vez apenas em 2009, no Japão. Além de resistente, também é muito persistente em superfícies hospitalares. Estes quatro fungos críticos para a OMS têm uma taxa de mortalidade das pessoas infectadas até aos 88%.


Como chegámos aqui

Fora das infecções fúngicas superficiais, entre as quais se destaca o pé de atleta como a mais popular, há todo este universo que se tem revelado um grave problema de saúde pública e, inclusive, de disparidade entre países com e sem recursos económicos.

Um exemplo claro disso é a falta de testes de diagnóstico onde haverá mais casos de infecções fúngicas. “A maioria destes métodos de diagnóstico [existentes e em estudo] exige equipamentos extremamente sofisticados, caros e necessita de alguém com experiência para interpretar os resultados”, explica Paula Sampaio, investigadora em infecções fúngicas no Centro Biologia Molecular e Ambiental da Universidade do Minho. Ora, se estes equipamentos de detecção e sequenciação do fungo (para identificar o “intruso” e o melhor remédio) podem estar presentes nos maiores hospitais portugueses, o mesmo não acontece nos países mais pobres.


A lacuna nos testes deve-se sobretudo à falta de equipamentos mais simples, baratos e fáceis de enquadrar em contextos sem um acesso facilitado aos cuidados de saúde. “O método mais simples seria usar o mesmo que utilizámos para detectar covid-19”, sugere Paula Sampaio. Ou seja, aqueles testes em formato de rectângulo que, com uma amostra biológica (na altura, uma zaragatoa com amostra para intruduzir no nariz), permitem detectar a infecção em minutos. No caso das infecções fúngicas, poderia fazer-se o mesmo com uma gota de sangue. O único problema é que estes testes teriam de ser específicos para um determinado fungo, obrigando a uma distribuição mais alicerçada em padrões regionais, por exemplo – mas que podia ajudar a um diagnóstico mais atempado.

Portugal sem dados recentes

A falta de dados mais concretos é outro dos problemas identificados pelas investigadoras portuguesas e com particular impacto em Portugal. “Não existem dados concretos porque não é de declaração obrigatória”, aponta Raquel Sabino, da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. “Isso faz com que haja uma subvalorização muito grande dos casos.”

O último estudo de prevalência sobre infecções fúngicas em Portugal é de 2017, publicado pela equipa de Raquel Sabino, e estima que cerca de 1,6 milhões de pessoas por ano desenvolvam infecções fúngicas graves, sobretudo na pele e nas unhas. Este valor é bastante elevado, mas inclui poucas das infecções por fungos críticos para OMS e beneficia de haver pouca população com o sistema imunitário fragilizado – e quem o tem, tende a ter cuidados de saúde apropriados a essa situação.

Raquel Sabino defende que entre as infecções fúngicas tidas como críticas para a OMS (Cryptococcus neoformans, Aspergillus fumigatus, Candida albicans e Candida auris), a infecção por Candida Auris possa ser de declaração obrigatória, permitindo a identificação mais correcta do panorama português neste capítulo e com casos reais de uma das principais preocupações da saúde pública global.

O diagnóstico precário acarreta outro problema tremendo: a sub-representação dos números. “Há muito
subdiagnóstico principalmente nos países mais pobres”, sublinha Raquel Sabino, presidente da Associação Portuguesa de Micologia Médica e professora da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. Os 6,5 milhões de infecções fúngicas anuais e os 2,5 milhões de mortes directamente provocadas por este problema, estimadas num trabalho publicado na revista The Lancet, serão apenas uma parte da realidade.

“Os países menos representados [nestas estimativas] são os países africanos e o número de infecções fúngicas é muito grande porque não há acesso a medicação, há um elevado número de casos de VIH e alta prevalência de tuberculose – todos factores de rico para as infecções fúngicas”, acrescenta Raquel Sabino.

Cuidado com as resistências

Outro dos problemas no desenvolvimento de novos fármacos é a parecença dos fungos com os humanos. Não que sejamos semelhantes, mas os fungos também são eucariotas (organismos em que as células têm um núcleo) e há várias peças nestes organismos vivos que se encaixam nos humanos – o que torna mais difícil encontrar alvos distintivos para atacar os fungos. Por exemplo, um dos alvos clássicos é o ergosterol, molécula semelhante ao colesterol dos humanos (mas que não temos), sem o qual os fungos se desintegram. Apesar das diferenças estéticas, há muito que nos aproxima.

A escassez de investimento em novos fármacos é uma preocupação para as duas investigadoras portuguesas. O pouco dinheiro distribuído para a investigação fundamental na descoberta de novas moléculas, bem como o financiamento parco para desenvolver ensaios clínicos e novas técnicas de diagnóstico complicam a missão de combater um dos principais problemas de saúde pública identificados pela OMS para os próximos anos.

Outra preocupação são as resistências. A par do que acontece com as resistências aos antibióticos e aos antivirais, promovidas pelo consumo inadequado, que permite aos microorganismos aprenderem a resistir aos medicamentos, também os antifúngicos passam por um problema de resistências. Além do Candida auris, que quando foi identificado já apresentava resistência, há outros perigosos fungos a ganharem resistências e, no caso dos antifúngicos, só há cinco classes distintas de tratamentos farmacológicos – o que minimiza as opções para os médicos. As alterações climáticas e a maior frequência de viagens entre países também dão mais espaço aos fungos para encontrarem novos habitats.

Actualmente, as mortes provocadas pelas infecções fúngicas invasivas ultrapassam os valores das mortes provocadas por malária, tuberculose, pneumonia ou hepatites, por exemplo.

O problema está identificado: faltam novos medicamentos e testes. Falta resolvê-lo.

Artigo original disponível em https://www.publico.pt/2025/04/01/ciencia/noticia/aumentam-infeccoes-fungicas-continuam-faltar-novos...
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