segunda-feira, 24/02/2025
Campus de Gualtar, Braga
Garantem qualidade de sabor, de aroma e de fermentação e podem impactar a economia global
Uma equipa do
Centro de Biologia Molecular e Ambiental (CBMA)
da Escola de Ciências da Universidade
do Minho caracterizou 530 genomas de espécies de leveduras do vinho que, além
de garantirem bom sabor, aroma e fermentação, têm capacidade de adaptação às
alterações climáticas e às exigências do mercado. O estudo acaba de sair na
conceituada revista “Studies in Mycology” e pode impactar a economia global. Os
cientistas mostraram o potencial escondido das leveduras não-Saccharomyces e,
das espécies que analisaram, pertencendo a diferentes níveis taxonómicos, quais
são as mais influentes na qualidade vínica.
A levedura é um
microrganismo essencial na produção de vinho, pois no processo de fermentação
transforma os açúcares das uvas nomeadamente em álcool e liberta compostos
(como ácidos e fenóis) que influenciam a criação dos aromas e sabores próprios
de cada tipo de vinho. Nos anos recentes, percebeu-se que as leveduras não
convencionais não-Saccharomyces afinal não prejudicam a fermentação
vínica, bem pelo contrário, pois complexificam o processo e até mitigam
desafios de adaptabilidade.
“Quisemos
detetar se haveria caraterísticas no genoma dessas espécies que explicassem
porque algumas delas eram boas a influenciar o sabor e o aroma e porque outras
fermentavam com grande capacidade o mosto, levando à produção de vinhos
diferenciados que agradassem a mercados em constante mudança”, explica o
investigador Ricardo Franco-Duarte. Separou-se então as “leveduras boas
fermentadoras” e descobriu-se seis genes comuns nelas, num conjunto de 35 genes
essenciais, que os cientistas chamaram “fermentoma”. Já o conjunto que
contribuiu com bom sabor ou aroma foi apelidado de “flavoroma”, após se apurar
96 genes em 19 categorias, havendo potencial a explorar para elevar a qualidade
vínica, como com a espécie Torulaspora delbrueckii e o género Starmerella.
Aliás, este foi o primeiro estudo a analisar genomas de 134 espécies em
simultâneo, pois só havia estudos com genomas de determinadas espécies.
Prever o
potencial para vários climas
E como isto se
aplica no quotidiano do viticultor? “Na sua adega, recebe um investigador para
se avaliar a presença ou ausência desse conjunto de genes nas leveduras, de
modo a garantir a melhor qualidade possível do seu vinho”, ilustra Ricardo
Franco-Duarte. Também pode ver se as leveduras se vão adaptar às alterações
climáticas, como fermentar o mosto a temperatura elevada numa região mais
quente. As estirpes nativas de cada local tendem a ser as mais propícias, mas
“é preciso ver outras mais versáteis” face a climas em constante mutação. E se
o fim é produzir vinho com certo perfil aromático, o viticultor pode ainda
procurar o genoma ideal para determinada textura ou composto no sabor, respondendo
assim às novas exigências do mercado, com propostas exclusivas ou que agradem a
um conjunto mais diversificado de consumidores.
“A
indústria vitivinícola enfrenta desafios sem precedentes face às necessidades
do mercado e às mudanças climáticas, com repercussões socioeconómicas, por isso
as nossas descobertas podem ter efeitos positivos nas práticas inovadoras de
vinificação e investigação a nível mundial", admite Ricardo Franco-Duarte,
que assina o estudo com Ticiana Fernandes, Maria João Sousa, Paula Sampaio,
Teresa Rito e Pedro Soares. A equipa é 100% portuguesa, algo raro numa
publicação daquela revista, o que confirma o percurso internacional da UMinho
na área há mais de duas décadas.
“Analisar
genomas é como a impressão digital de uma levedura e cada vez mais importante,
pois conseguimos prever o seu potencial para o futuro e, através de modelos
computacionais e IA, poderemos simular o clima futuro e como cada levedura do
vinho vai responder”, realça Ricardo Franco-Duarte. O CBMA disponibiliza todos
os genomas analisados e anotados desta pesquisa em acesso livre, no portal Data
RepositóriUM da UMinho, pelo que fica a porta aberta a outros trabalhos de
cientistas com interesse em aplicar aquelas leveduras para o pão, a cerveja, a
parte clínica, a ecologia ou a evolução, por exemplo. O pipeline bioinformático
usado nesta investigação, com rigorosos pontos de controlo e múltiplas
ferramentas analíticas, estabeleceu igualmente um novo padrão para futuros
estudos filogenómicos e proteómicos.
+Info: www.ecum.uminho.pt, cbma.uminho.pt