sexta-feira, 31/10/2025
Departamento de Matemática
Chegou
à Universidade do Minho (UMinho) no início da sua formação académica e, em março de 2024,
assumiu a direção do Departamento de Matemática (DMat). Licenciado em Matemática e Ciências
da Computação pela UMinho, mestre em Matemática Aplicada pelo Instituto
Superior Técnico e PhD pela Faculdade de Ciências e Engenharia da Universidade
de Edimburgo, José Carlos Espírito Santo partilha a sua visão sobre o ensino, a
investigação e o papel da Matemática na sociedade. Nesta edição da newsletter
da Escola de Ciências da UMinho (ECUM), o docente destaca a importância da literacia matemática e
as tendências que moldam o futuro desta disciplina.
Quais são os principais desafios de gerir um Departamento
com áreas tão distintas?
As três
subáreas científicas do Departamento designam-se por Matemática Pura,
Matemática Aplicada, e Probabilidades e Estatística. Não creio que os desafios
de gerir o Departamento tenham a ver com a existência de áreas distintas. Os
maiores desafios têm a ver com burocracia, escassez de recursos humanos e a
dimensão do Departamento.
A Matemática continua a ser vista, por vezes, como uma
matéria complexa, aquilo a que na gíria referimos por “um bicho de sete
cabeças”. Que estratégias estão a ser adotadas para tornar os cursos desta área
mais atrativos e acessíveis para os estudantes?
Não há
propriamente uma estratégia de tornar os cursos mais acessíveis. Nos processos
regulares de avaliação e reacreditação, há sempre a preocupação de aperfeiçoar
e atualizar os currículos. Sobre o “bicho de sete cabeças” da Matemática, parece-me
que, quando se chega à universidade, já é um pouco tarde para afugentar o dito
bicho. O gosto pela Matemática tem de ser cultivado desde o primeiro dia em que
a criança entra na escola. E não é só o gosto, mas também a perspetiva certa
sobre a disciplina. A Matemática não serve apenas para “fazer contas”, é uma
escola de pensamento, que cultiva valores talvez fora de moda: o uso
aperfeiçoado da linguagem e do raciocínio, o rigor, a persistência, a
profundidade, o espírito crítico.
De que forma é que as áreas da Matemática contribuem
para o desenvolvimento da sociedade, já que esta está presente em várias
atividades que desenvolvemos diariamente?
De facto, diferentes subáreas da Matemática são continuamente
convocadas para novas áreas de aplicação. Veja-se a Álgebra Linear, incluída em
todos os currículos de Engenharia, e agora fundamental para a Computação
Quântica ou a Aprendizagem Automática. Veja-se a Teoria de Números e as suas
aplicações à Criptografia. Veja-se a Estatística, nesta era da Ciência de
Dados. O quadro de docentes do Departamento e de investigadores do Centro cobre
a quase totalidade das grandes subáreas da Matemática, e isso traduz-se em
investigação com aplicação em domínios tão variados como a Biologia Matemática,
as Ciências da Saúde, a Robótica, ou as Ciências da Computação.
E já que a Matemática está tão presente nas nossas vidas, de que forma é que
o Departamento contribui para a literacia matemática na sociedade?
Se considerarmos o sentido estrito da palavra
“literacia”, a literacia matemática é adquirida através do sistema educativo
pré-universitário. Num sentido mais lato, o Departamento contribui para a
literacia matemática através das suas atividades de divulgação científica. E
claro, compete ao Departamento dar qualificações académicas na área da Matemática
aos futuros profissionais formados na Universidade do Minho, sejam eles
cientistas, engenheiros, professores ou outros.
São desenvolvidas iniciativas de divulgação
científica, de colaboração com escolas ou outras entidades que gostaria de
destacar?
O Departamento de Matemática, em colaboração com o
Centro de Matemática tem uma consolidada tradição de iniciativas próprias e
participação em iniciativas institucionais de divulgação científica - por
exemplo, a celebração do Dia da Matemática e a participação na Noite Europeia
dos Investigadores. Entre outras iniciativas, há também visitas regulares de
escolas aos nossos ateliers didáticos e visitas dos docentes às escolas para a
realização de palestras e outras atividades.
Como é que o Departamento integra as áreas emergentes,
nomeadamente a ciência de dados, a modelação matemática ou a inteligência
artificial?
Falando apenas de projetos de ensino, essas áreas
estão representadas nos currículos dos nossos ciclos de estudos. Deve
sublinhar-se a recente criação da Licenciatura em Ciência de Dados, em
colaboração com outros departamentos da Escola de Engenharia.
Em relação aos estudantes, de que forma é que incentiva
a sua participação em projetos científicos e atividades extracurriculares?
O Departamento de Matemática procura apoiar os Núcleos
de estudantes representativos das nossas quatro licenciaturas e envolver os
estudantes nas atividades de divulgação científica.O Centro de Matemática
procura atrair os estudantes para a pós-graduação em Matemática através de
bolsas de diversas tipologias.
E umas questões mais pessoais: o que o levou a
dedicar-se à Matemática?
Sempre gostei da disciplina e, de alguma forma, acabei
sendo um seu humilde servo. Certamente a Matemática tem características, como a
objetividade e o nível de abstração a que opera, que devem corresponder às
minhas inclinações. Exerce um fascínio que eu consigo apreciar. É uma
disciplina muito diversa, como percebi enquanto estudante universitário.
Como equilibra a investigação científica, o ensino,
com a responsabilidade e a tarefa de gerir um Departamento?
Não tenho a certeza de fazer bem esse equilíbrio. Não
se pode estipular que uma percentagem do tempo vai para esta dimensão e outra
percentagem vai para aquela. É simplesmente uma questão de resolver em primeiro
lugar as emergências, que brotam como as cabeças da Hidra.
O que mais o motiva no trabalho diário como diretor do
Departamento?
O orgulho pelo trabalho que o Departamento faz, no
cumprimento da sua nobre missão.
E uma pergunta mais global: que tendências científicas
considera que vão moldar o futuro da Matemática nos próximos anos?
Uma tendência que acompanho com interesse é a evolução
da Matemática sob o efeito da revolução digital em curso. Certamente, o uso de
software matemático cada vez mais poderoso será cada vez mais generalizado. Mas
irá esta evolução levar a uma mudança qualitativa, que torne a Matemática uma
espécie de ciência experimental? Na sua autobiografia, em 1985, Paul Halmos já
dizia: “Mathematics is not a deductive science – that’s a cliché”.